Walkiria Araújo – walkiria.wlac@yahoo.com.br

“Bem-aventurados os pobres de espírito, pois que deles é o Reino dos Céus.” — (Mateus, capítulo V, versículo 3.)

O Mestre, muito hábil em suas palavras utilizava-se dos recursos materiais e principalmente mentais dos que os circundava para poder transmitir a mensagem que se perpetuaria durante o passar dos tempos. Assim foi também com relação a essa. Não era sobre a pobreza material que Ele falava. Ele nos falava da humildade moral daqueles que tinham a capacidade de reconhecer os próprios erros, defeitos e limitações e que promovem o movimento de modificação, não esperando o porvir para modificarem.

“Se se recusam a admitir o mundo invisível e uma potência extra-humana, não é que isso lhes esteja fora do alcance; é que o orgulho se lhes revolta a ideia de uma coisa acima da qual não possam colocar-se e que os faria descer do pedestal onde se contemplam.”[1] Guardamos sim, uma vaga lembrança de quem fomos em outras encarnações[2], o que ocorre é que possuímos o véu do esquecimento a nos facilitar os passos. Pois, se nos enxergássemos tal qual somos, ficaríamos chocados com o que veríamos. As ideias inatas existem para comprovar que as nossas tendências instintivas correspondem a quem nós somos de verdade.

A própria existência de Deus e da vida futura[3], é uma lembrança que nos acompanha. Então porque ainda existem criaturas que afirmam serem descrentes da existência de Deus e mais ainda, chegam ao absurdo de afirmar que a criação é fruto do acaso, indo mais além, defendem a ideia de que a morte do corpo físico também representa a morte da criatura. Por quê? Numa resposta curta: orgulho. Gostamos de ter o controle total sobre tudo e admitir que exista uma força superior a nós faz com que este controle total acabe. É todo um castelo de areia que desmorona na nossa frente.

Os próprios apóstolos não abarcavam todo o significado das palavras do Mestre. Pois o interrogaram sobre quem era o maior no Reino dos Céus e sabiamente o Mestre respondeu, tomando de uma criança, que quem quisesse ser o maior se assemelhassem a ela. Mostrando assim, que “para ser o maior no seu conceito, era necessário fazer-se o menor, o servidor, esquecendo-se de si mesmo e altruisticamente colocando o seu irmão no lugar onde desejasse estar.”[4] Mas este desprendimento, esta renúncia, só nasce das almas que aprenderam a amar sem julgar, no qual o amor/renúncia faz parte da vida da criatura.

A própria mãe dos filhos de Zebedeu pede para que os seus dois filhos tenham assento, um a direita e outro a esquerda do Mestre, reconhecendo a Superioridade Dele, mas por outro lado ela não compreendia o que significava caminhar junto ao Mestre. Tanto que Ele a questiona, inquirindo se os filhos dela eram capazes de beber do cálice que Ele, Jesus, iria tomar. Deixando explícito que o cálice de fel que nos é apresentado durante a encarnação representa os momentos de verdadeiro testemunho, no qual há um confronto entre quem nós somos, as Leis Divinas e o nosso desejo em fazer algo. Às vezes, é o testemunho/exemplo de espíritos abnegados como o Mestre; na grande maioria das vezes é o testemunho/reajuste, comum a todos nós.

Quando optamos por seguir as Leis modificando a matriz que se encontra mal alinhada sorvemos do cálice de fel como consequência do expurgo necessário e absorção/substituição do bem em nós, ambas as “substâncias” não podem coabitar juntas. Circunstâncias que nos movimentam a encarnação e convida-nos a análise de conduta. Da nossa própria e do semelhante. Algumas destas circunstâncias constituem-se na pedra de toque da encarnação da criatura.

Cada um possui o seu cálice. Cada um de nós temos os erros do passado a nos reajustarmos, mais além, todos nós que nos dispomos a ajudar também encontramos dificuldades doloridas para a sua execução. Pois estamos remando contra a maré de erros seculares, cristalizados na prática social e que se tornam comuns no comportamento vigente, mas que não representam a normalidade das Leis Divinas. Algumas destas vezes, inclusive, indo de encontro destas mentes que defendem o nada ou a existência do acaso para justificar tudo que existe.

Os jovens respondem afirmativamente ao questionamento do Mestre. Interessante que Jesus afirma que eles irão sim beber, deixando claro que os testemunhos que consideramos acima das nossas forças atualmente, farão parte do exercício diário da prática do bem em nossas vidas. Mesmo assim, responde que não cabe a Ele decidir quem estará a sua direita ou esquerda, mas a Deus.

Baseadas nestas passagens começamos também a avaliar a conduta de muitos frequentadores das Instituições Espíritas. Acreditam, por exemplo, que por estarem na Instituição e tomarem passe estão imunes ao comportamento alheio em desalinho. Ou, pensam que a leitura das obras espíritas os candidatam a uma condição superior aos dos demais. A leitura dá a instrução, a compreensão leva a modificação. Ler e não mudar de atitude representa um malfeitor que tem conhecimento das leis e mesmo assim comete delitos.

Precisamos sair da posição cômoda de “espíritas não praticantes” e nos tornarmos espíritas verdadeiros. “Reconhece-se o verdadeiro espírita pela sua transformação moral e pelos esforços que emprega para domar suas inclinações más.”[5] A verdade nos visita a todos. O cálice é uma bela representatividade do arcabouço necessário para o aprendizado.

Jornal O Clarim – Outubro de 2016

[1] Evangelho Segundo o Espiritismo, capítulo VIII, item 2

[2] Questão 218 de O Livro dos Espíritos

[3] Questão 221, de O Livro dos Espíritos

[4] Jesus e o Evangelho a Luz da Psicologia Profunda, capítulo 8

[5] Evangelho Segundo o Espiritismo, capítulo XVII, item 4